Coronel Quintino Soares da Rocha: poder, riqueza e influência entre Jacobina e Morro do Chapéu

O coronel Quintino Soares da Rocha foi uma das figuras mais influentes do sertão baiano no século XIX. Nascido em data não especificada, mas ativo desde meados do século XIX, ele faleceu no início de maio de 1880, tendo recebido sepultamento com honras no cemitério da vila de Nossa Senhora da Graça do Morro do Chapéu. Sua trajetória está intrinsecamente ligada ao município de Jacobina, então comarca à qual Morro do Chapéu pertencia, onde exerceu o posto de comandante da Guarda Nacional e onde alcançou prestígio e riqueza sem paralelos na região.

O coronel Quintino foi casado com Umbelina Adelaide Miranda, com quem construiu uma das maiores fortunas da comarca. O casal, que não teve filhos, era proprietário de um patrimônio avaliado em mais de 120 contos de réis, composto por fazendas, casas, sítios, rebanhos e uma expressiva quantidade de escravos — mais de uma centena. Os escravizados, muitos dos quais nascidos nas propriedades da família ou herdados, eram o alicerce da estrutura econômica e social da Casa Gurgalha, expressão que passou a designar tanto a residência do casal quanto a complexa rede de dependência e poder que eles constituíram.

A Fazenda Gurgalha, de aproximadamente 15.750 hectares, foi adquirida em 1837 e se tornou o principal centro de irradiação do poder dos Soares da Rocha. De lá, o coronel e sua esposa comandavam negócios, distribuíam favores, firmavam alianças e exerciam controle sobre homens livres e libertos, que, em troca de proteção e acesso à terra, submetiam-se a formas variadas de dependência. Esse sistema envolvia desde agregados e arrendatários até funcionários e vaqueiros, muitos deles moradores da atual região de Jacobina e arredores.

A influência de Quintino Soares transcendeu os limites fundiários. Ele era conhecido como “senhor do fogo”, expressão que remete à sua capacidade de mobilizar homens e impor sua autoridade, seja por meio de influência política e judicial, seja por meio da força. Processos judiciais indicam que sua atuação foi marcada por litígios de terras e acusações de uso abusivo da autoridade, inclusive por grilagem. Ainda assim, sua figura era temida e respeitada, sendo um personagem central nas tramas locais de poder e dominação.

Após a morte do coronel, sua esposa Umbelina assumiu os negócios da família. Em um gesto simbólico e estratégico, alforriou todos os escravos da Casa, com a condição de que continuassem a servi-la até sua morte. Essa prática revelava as complexas relações de dependência que permeavam a sociedade da época, nas quais senhores e escravizados compartilhavam um cotidiano de negociações, conflitos e, por vezes, heranças. Alguns ex-escravos, como Lídio Soares da Rocha e Manoel Lídio Soares, chegaram a ser reconhecidos como herdeiros da família.

A história de Quintino Soares da Rocha é, portanto, também a história das dinâmicas de poder no sertão baiano do século XIX. Sua atuação em Jacobina e Morro do Chapéu deixou marcas profundas nas estruturas sociais e fundiárias da região, refletindo a complexidade de uma sociedade baseada na hierarquia, na escravidão e nas redes de patronagem. O estudo da Casa Gurgalha contribui para compreender os mecanismos de dominação e resistência que moldaram o Brasil rural oitocentista.

João Batista Ferreira – é radialista/jornalista
Este artigo foi baseado no livro “Gurgalha: Um coronel e seus dependentes no sertão baiano (Morro do Chapéu, século XIX)”, de Jackson Ferreira, publicado em 2018.

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