Distúrbios do sono: o que fazer para driblar a insônia
Em 2021, 3.500 pacientes com problemas relacionados ao sono foram atendidos no Laboratório do Sono do Hospital Português. Segundo especialistas, os números tendem a crescer em 2022 após o período mais crítico da pandemia, quando houve uma diminuição geral de atendimentos médicos. Uma pesquisa feita pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP), em 2020, com 308 pessoas que cumpriam a quarentena revelou que, em 2020, 83,4% dos entrevistados tinham problemas com a qualidade do sono.
Segundo a professora da EBMSP e coordenadora do grupo de pesquisa do Centro Internacional de Medicina do Sono, os padrões de distúrbios do sono têm sido consistentemente relacionados à saúde mental e aos transtornos psiquiátricos, afetando principalmente os jovens. “Temos diversos estudos mostrando as evidências do impacto negativo da pandemia na saúde mental das pessoas. São altas taxas de sintomas de ansiedade, depressão, raiva, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) estresse, sentimentos de horror e apreensão. Além disso, quem já tinha transtornos psiquiátricos pré existentes, relatam a piora dos sintomas”, diz Cristina, que também é responsável pelo Serviço de Medicina do Sono do Hospital das Clínicas.
O que pode causar dificuldade para dormir?
De acordo com o médico do sono Francisco Hora, coordenador do Laboratório do Sono do Hospital Português, cerca de 65% dos brasileiros têm problemas para dormir e existem mais de 78 doenças relacionadas ao sono. São dois principais grupos: insônias e distúrbios respiratórios (roncos e apneias). Fora dos dois grupos, estão doenças como bruxismo, paralisia do sono e sonambulismo. “Os distúrbios respiratórios são mais frequentes em homens a partir dos 40 anos e as insônias são mais frequentes em mulheres entre 30 e 40 anos”, afirma o médico do sono.
O psiquiatra Antônio Freire, coordenador do programa de residência médica em psiquiatria do Hospital Juliano Moreira, explica que a insônia pode ser primária ou secundária, quando é consequência de um outro problema. “Na grande maioria das vezes, ela é secundária. Aí a gente vai ter um quadro psiquiátrico que justifique essa insônia, como ansiedade, depressão ou transtorno bipolar. Essa dificuldade para dormir é associada a sintomas como desânimo, alterações de apetite, tristeza, ou euforia e excesso de disposição, como acontece no caso do transtorno bipolar”, coloca.
As dificuldades para dormir estão relacionadas à incapacidade da mente de desligar. “A pessoa fica pensando em diversas coisas, agitada, em estado de alerta. Aí tem a dificuldade de pegar no sono, o acordar diversas vezes durante a noite ou ainda o acordar mais cedo do que o necessário e não conseguir voltar a dormir”, acrescenta Freire, que relata o aumento da demanda de pacientes em seu consultório com problemas relacionados ao sono desde o início da pandemia.
Quais as consequências de uma má qualidade do sono?
O médico do sono Francisco Hora reforça os sintomas de lentidão, comprometimento da capacidade de concentração e raciocínio e a perda de memória recente. “Quem tem apneia fica sonolento durante o dia, trazendo riscos para trabalhos operacionais, por exemplo. Para quem tem insônia, o risco maior pode estar para quem dirige, podendo causar acidentes”, pontua.
“É durante o sono profundo que a gente trabalha a memória e o cognitivo, ou seja, faz o backup. Se a pessoa passa alguns dias sem dormir direito, vai começar a esquecer as coisas mais recentes, como o nome de tal pessoa, o lugar onde deixou as chaves, o pagamento de uma conta. Além disso, é dormindo que a gente produz anticorpos, então um bom sono é sinal de defesa, fortalecimento da imunidade”, alerta Hora.
Mulheres são mais propensas a ter problemas com o sono
O gênero feminino está mais propenso a ter instabilidades no sono ao longo das fases da vida. Com base em um estudo da National Sleep Foundation, cerca de 15% das mulheres têm algum tipo de problema para dormir, em comparação a 8% dos homens. Além disso, 63% sofrem de insônia semanalmente, enquanto a taxa masculina é de 54%.
O médico do sono Francisco Hora destaca duas principais faixas etárias para os problemas: as mulheres mais jovens, entre 30 e 40 anos, e o período da menopausa. “No primeiro grupo, a gente tem a insônia, que, na maioria das vezes, não é primária, sendo associada a fatores emocionais. Temos inúmeras teorias para a maior quantidade de mulheres afetadas, mas as apostas estão ligadas ao padrão de vida e questões psicológicas”, explica o médico.
Segundo Hora, estudos apontam que as mulheres acumulam mais estresse do que homens. “Elas têm que lidar com a luta por seus espaços na sociedade e com a dupla jornada, essa habilidade multitarefas tem uma consequência. As mulheres são, geralmente, as grandes responsáveis pela manutenção do lar, pela educação dos filhos, trabalham e, em muitos casos, são as chefes de família ou estão sozinhas”, aponta.
Para o segundo período, a menopausa, a explicação está na desregulação dos hormônios. “Aqui as mulheres estão mais propensas tanto à insônia quanto aos distúrbios do sono, a chamada apneia. Os hormônios responsáveis pelo tônus muscular da mulher, principalmente da musculatura do pescoço e via áerea superior, sofrem queda e causam a apneia. Por ser um período de maior sensibilidade e estresse, com alterações físicas e psicológicas, facilita o desenvolvimento de insônia”, afirma.
Como tratar?
A palavra-chave é organização. Para que o cérebro entenda, e sintetize essas ações, é preciso sinalizar. Estabelecer hora para dormir e acordar, assim, os estímulos enviados ao cérebro auxiliam a criar essa rotina. Reduzir a iluminação antes de dormir, evitar o contato com telas, seja celular, tablet, notebook, TV, todos esses gadgets são estimulantes e dificultam a preparação para um bom sono. Evitar o consumo de substâncias estimulantes, como a cafeína, e alimentos em grande quantidade, também são ações que colaboram para uma rotina saudável e um sono de qualidade. Também é importante evitar atividade física durante a noite.
É o que chamamos de higiene do sono. A estudante Luísa Carvalho é adepta da prática. “Eu não como muito perto da hora de dormir e agora minha cama é somente para dormir. Antes eu trabalhava e estudava nela, mas agora tenho uma mesa só para isso, sou mais organizada. Porque aí o cérebro não fica confuso com as informações e entende que, quando eu vou para a cama, é hora de relaxar e dormir”, diz.
Para determinados casos, essas medidas não são suficientes e é preciso adotar a medicação. O psiquiatra Antônio Freire alerta que ela vai depender do diagnóstico, deve estar associada a um tratamento e não deve ser adotada por conta própria. “Temos que ver qual é esse tipo de insônia, qual é a dificuldade que o paciente tem. Mas vale destacar que a automedicação é muito perigosa aqui, mesmo que com medicamentos naturais. Tem gente que usa chá para ajudar a dormir e isso pode afetar o fígado, por exemplo. Até calmantes, se usados de forma errada, podem fazer mal. Os ansiolíticos são muito perigosos porque têm alto potencial de gerar dependência”, destaca Freire.
Para todo caso, é preciso procurar um médico, diz Francisco Hora. “Quem tiver observando problemas com relação ao sono, o ideal é que procure um médico do sono, que é uma especialidade aqui no Brasil desde a década de 1990. Se não for possível, um médico clínico pode examinar e orientar. Normalmente, questões que envolvem o sono estão ligadas a diversos fatores, sendo trabalhadas em conjunto, com médicos como endocrinologista, otorrinolaringologista e até o psiquiatra, por exemplo”.
Fonte-trechos: A Tarde